Após anos de um conturbado casamento, Claudete e Maicon finalmente chegaram a um consenso: querem o divórcio. Este parece ser, porém, o único ponto de convergência, já que divergem de forma contundente sobre a guarda do filho Claudicon, o valor da pensão alimentícia, a convivência do menino com familiares, a partilha de bens, a situação dos cães de estimação, o uso do sobrenome por Claudete… Conflitos, enfim, não faltam, e possivelmente os advogados de ambos proporão mais de uma demanda para abordar as temáticas em litígio.

Como se percebe, não é difícil que um mesmo núcleo familiar tenha seus componentes figurando como partes em diferentes demandas. São pertinentes então os questionamentos sobre a prevenção e a possível consideração de um “juízo universal” para a apreciação das causas. Por tal diretriz, todas as demandas envolvendo os mesmos familiares serão atraídas para o juízo que recebeu a medida que inaugurou a presença do núcleo familiar em juízo.

Caso seja proposta, inicialmente, a ação de alimentos, as demais demandas que envolvam o (ex) casal e seu filho deverão ser direcionadas ao juízo que cuidará da primeira causa? Ou serão distribuídas livremente entre os juízos potencialmente competentes para apreciar quaisquer causas familiares?

A temática é importante e a dúvida não acomete apenas advogados; muitos magistrados suscitam conflitos negativos de competência por não se entenderem competentes para apreciar demandas de familiares que estiveram em outros juízos. Como se vê, o assunto é polêmico e suscita posições díspares.

Muitos entendem natural a distribuição por dependência das futuras ações de familiares que já tiveram demandas tramitando em certo juízo por força da conexão, uma vez que a causa de pedir costuma se repetir; com base nesse argumento, merece destaque acórdão do STJ relatado pelo Min. Luis Felipe Salomão (CC 100.345, julg. 11/02/2009).

Há ainda quem divise situação de acessoriedade, sendo a primeira demanda (por ex., de alimentos) principal em relação a feitos posteriores (de revisão ou exoneração, especialmente). Outro argumento é a unidade: o conflito é relacional e uno, devendo também ser una a atuação estatal ao lidar com a família em crise. Por fim invoca-se, em prol do direcionamento certo, a garantia da duração razoável do processo e dos meios que assegurem a celeridade de sua tramitação, já que há economia de tempo com a distribuição por dependência.

Para quem sustenta não ser devido o direcionamento a um juízo determinado, não há que se falar em prevenção por inexistir qualquer liame entre as diferentes demandas (ainda que os envolvidos sejam os mesmos), não havendo risco de decisões conflitantes. Em atenção à garantia do juiz natural, será competente aquele que receber, por força da distribuição livre e aleatória, o(s) feito(s) superveniente(s). Tal interpretação deriva de uma leitura restrita dos artigos 103 e 253 do Código de Processo Civil [1973].

Sob o aspecto processual, revela coerência a tese do juízo universal de família a partir de uma concepção sistemática do ordenamento: a reforçar os argumentos expostos, vale destacar o artigo 132 do CPC[1973], segundo o qual o juiz condutor da instrução deve proferir a sentença. Por ter o magistrado tido contato direto com os elementos de convencimento, considera-se que seu envolvimento mais próximo – sem perder, obviamente, a imparcialidade – favorece a qualidade decisória. Por esse olhar, quem decidiu o pleito em crises anteriores deve analisar futuras demandas envolvendo causas de pedir ligadas ao mesmo núcleo familiar.

Argumentos técnicos considerados, foquemos a interpretação à luz da humanização do processo, concebendo o ser humano como valor central. Nessa perspectiva, busca-se reconhecer a subjetividade dos envolvidos, lembrando que cada processo revela uma história de vida única, com seus próprios dramas e desacertos.

Não há como negar que cada história retratada no processo, ao ser “filtrada” pelo Direito, acaba se desdobrando em diferentes “pretensões”, fato que enseja a segregação artificial de assuntos que são factualmente indissociáveis e que compartilham inúmeros pontos em comum (que podem ser, inclusive, de interesse do julgador).

Sob o prisma do jurisdicionado, a Justiça revela maior eficiência e coerência quando destina ao núcleo familiar atenção personalizada, na medida do possível. Se um juiz estabeleceu contato com os litigantes, certamente em um encontro posterior o estranhamento será menor e os jurisdicionados poderão se sentir mais confortáveis e acolhidos.

Se o mesmo juiz participou das audiências na ação de alimentos, correrá menor risco de proferir decisões divergentes em relação ao que foi reconhecido em outra demanda com as mesmas partes; poderá, também, exigir coerência do jurisdicionado que não manteve sua palavra, incitando-o a honrar os compromissos assumidos. Diversamente, se o juiz que atua no segundo processo é outro, não disporá de dados sobre a postura da parte recalcitrante e poderá não devotar significativa atenção quanto a inibir condutas destituídas de seriedade e sem real intenção de cumprimento.

Voltemos ao casal referido: Maicon, condenado na ação de alimentos proposta por Claudicon, não está honrando os pagamentos. A genitora Claudete, por seu turno, não facilita a convivência entre pai e filho. Em demanda proposta por Maicon para regulamentar “visitas”, certamente a inadimplência alimentar virá à tona porque os assuntos são inter-relacionados; por conta dos pontos de vista divergentes entre os familiares, o comportamento de um acaba sendo tomado como causa do procedimento do outro.

Pode ser interessante que o juiz que atuou no primeiro feito e já conhece um pouco da história dos litigantes os receba em audiência, abrindo espaço para os esclarecimentos necessários sobre seus direitos e deveres? Certamente Claudete e Maicon se sentirão mais estimulados a adotar uma postura coerente se encontrarem o mesmo magistrado conduzindo a audiência em ulteriores oportunidades.

Espera-se que o Poder Judiciário possa dar aos familiares em crise um exemplo de coesão ao abordar os conflitos, mostrando que a convergência, sobretudo quando há filhos, precisa ser conquistada pelo menos em pontos mínimos em prol de uma convivência respeitosa. Como bem ponderou o atleta americano Paul Bear Bryant, “para que haja um vencedor, o time deve ter um sentimento de unidade; cada jogador deve colocar o time acima da glória pessoal”.

*Artigo publicado na Carta Forense em 2015.